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Pedro Mexia

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Explicação
Pedro Mexia, José Tolentino Mendonça

Estamos conscientes de que entramos aqui a brincar com o fogo, contrariando ambos os lados de uma barricada. Uma antologia desta natureza tem, por isso, todos os ingredientes para constituir-se numa empresa que falha. Desde logo pela banda daqueles que chegarão a este livro por serem simplesmente leitores de poesia. Uma declaração de Gottfried Benn pode bem traduzir os seus receios: «Deus é um mau princípio estilístico. Quando alguém se torna religioso, isso fatalmente abranda a sua expressividade.» As convicções religiosas são incompatíveis com a boa poesia. Elas «abrandam», «afrouxam», «domesticam», tornam «bem intencionadas» as proposições. E, novamente nas palavras de Gottfried Benn, «bem intencionado» é o contrário de bom. A alternativa que o poeta alemão apresentou passou a constituir um dos modos mais representativos de afrontar o problema: a arte (e, neste particular, a poesia) é a única forma possível de transcendência. A religião perdeu o poder de impulsionar os homens no seu desenvolvimento espiritual e «apenas a arte permanece como a verdadeira tarefa da vida, como sua identidade, sua atividade metafísica, à qual ela mesma, a vida, nos obriga». Como sempre, o problema não são as intuições originais (instigantes e necessários motores do desassossego), mas a sua massificaçâo e o émulo que, sem pretender, por vezes geram: o preconceito.

Mas os leitores que chegam a este volume por que sobretudo se interessam pela questão religiosa não atravessam um desconforto menor. A crítica religiosa à estética contrapõe uma antítese radical: a arte é um princípio demasiado frouxo e ambíguo para a fé. A arte é, no fundo, um jogo do esconde-esconde, sem compromissos, sem gravidade existencial; e pior, instaura uma moral estranha à moral autêntica. À estética opõe-se aquilo que realmente conta: a ética e a vida eterna. Como à poesia se opõe o único fator decisivo: a verdade. Bem podem os românticos alcandorar que «quanto mais poético mais verdadeiro». A crítica protestante (Sören Kierkegaard e Karl Barth, por exemplo) e a teologia católica neoescolástica aparecem coincidentes num claro alinhamento de confronto, o que justifica também o divórcio que, na prática, se veio a instalar entre religião e artes.

Claro que este é um quadro extremado e não podemos esquecer, como recorda Jorge de Sena, que «há infinitas maneiras de prevalecer». A todos os que as inventam, as desejam e as praticam dedicamos esta antologia. Estamos em crer que se um protagonista com a envergadura intelectual e espiritual de Bento XVI dirigiu aos artistas as palavras que se seguem, mostra como, porventura, ingressamos noutra estação: «O que pode voltar a dar entusiasmo e confiança, o que pode encorajar o ânimo humano a reencontrar o caminho, a elevar o olhar para o horizonte, a sonhar uma vida digna da sua vocação, a não ser a beleza? Vós bem sabeis, queridos artistas, que a experiência do belo [...] não é algo acessório ou secundaria na busca do sentido e da felicidade, porque esta experiência não afasta da realidade, mas, ao contrário, leva a um confronto cerrado com a vida».

Escolhemos como balizas temporais as obras de Vitorino Nemésio e de Daniel Faria, e lemos com atenção e vagar os poetas portugueses, nascidos entre 1901 e 1971, que fizeram da «questão de Deus» um tema, motivo ou obsessão. Como é natural muitíssimos autores e movimentos ignoraram a «questão de Deus» (...).Em contrapartida, a «questão» aparece com frequência nos autores ligados à "Presença", aos "Cadernos de Poesia», até à "Arvore", isto para nos ficarmos por grupos ou tendências. Cedo nos apercebemos de que o cristianismo (quase não se encontram outras religiões em poemas portugueses) é em muitos poemas um facto cultural sociológico; não um assunto íntimo e grave, mas uma linguagem, uma memória de infância, um aspeto quase folclórico, um ritual laicizado, ou então uma referência pictórica, arquitetónica, musical.

Se tivéssemos incluído todos os poetas que aludem de algum modo ao cristianismo, a antologia teria uma centena de autores, e não treze. Pareceu-nos porém que interessava mais a ideia de «questão», questão dos poetas consigo mesmos, quer se tratasse de fé, angústia, recusa, apostasia, incompreensão, revolta ou prece. Ainda assim, chegámos a ter uma seleção quase final com vinte e muitos poetas, que fomos reduzindo. Abdicámos, na escolha definitiva, de certos poemas meditativos e metafísicos, eliotianos, digamos assim, que certamente teriam lugar num volume mais extenso, mas que se prestavam mal a uma antologia; de outros em que o motivo cristão é apenas alegórico ou até «linguístico»; e três ou quatro poetas canónicos ficaram de fora por uma questão do gosto pessoal de quem escolheu, que é sempre um bom critério em antologias.

Destes treze poetas, cinco estão representados com quinze poemas, por nos parecerem absolutamente determinantes numa compreensão da «questão de Deus» na poesia portuguesa. Começamos com Nemésio, que escreveu poemas de uma entrega metafísica confiante e aflita, em estilo elevado ou chão, com uma toada popular ou um vocabulário científico, dando corpo à própria noção de Verbo. Sophia de Mello Breyner Andresen é um caso especial de contiguidade entre a cultura greco-latina, pagã, e a ética cristã, mas tem sempre presente os mesmos ideais de justiça, perfeição, paz, o mesmo escândalo com os fariseus e os opressores, a mesma ânsia por uma «pura face». Fernando Echevarría chega ao cristianismo como uma dupla emanação da filosofia e da mística, uma «experiência» do sagrado intimista, intelectual, que se manifesta em noções de evidência, estudo, presença. Ruy Belo começou por ser um poeta católico, tornou-se depois um «pobre católico» e um «vencido do catolicismo», deixando cair todas as maiúsculas, até na palavra deus, e deixou-nos poemas literalmente antológicos sobre os vestígios de Deus nas palavras e no mundo, mesmo que se tenha depois desencontrado com esses vestígios. O quinto destes poetas é Daniel Faria, monge beneditino, precocemente falecido, que compôs poemas bíblicos, metafóricos, algures entre São João da Cruz e Herberto: paráfrases, transformações, intimações e segredos.

As demais escolhas são evidentes, umas, e originais, outras. Ruy Cinatti, por exemplo, era inescapável, com o seu tom de oração coloquial, um «nós não somos deste mundo» que claramente se situa no mundo, atravessa o mundo, atravessando Deus também. O caso de Jorge de Sena é mais bizarro; nem sequer tínhamos pensado incluí-lo, mas os poemas dos anos 1930-40 são literalmente uma luta com Deus, uma tentativa de enfrentar a «questão de Deus», às vezes com veemência, como um agnóstico à beira da crença ou do ateísmo; o facto de «a questão» quase ter desaparecido na obra subsequente não elimina o evidente interesse destes poemas. Quisemos incluir José Bento porque se trata de um poeta com um reconhecimento insuficiente, apenas compensado pelo seu prestígio como tradutor do castelhano; estes quatro poemas são reveladores de uma poética intensa e discreta, de surpreendentes ecos marianos, e com uma crença que, tal como a poesia, depende por vezes de «uma única palavra». Autor de obra escassa, porque morreu cedo, suicida, Cristovam Pavia deixou uma grata lembrança em muitos dos seus amigos poetas, e os três poemas que dele incluímos dão conta de um «amor angustiado» e de «forças já não minhas»; forças insuficientes, talvez, mas um amor certo. Pedro Tamen pertence à geração dos «católicos progressistas» ligados à revista "O Tempo e o Modo" e à editora Moraes; os quatro poemas que estão na antologia correspondem à primeira fase da sua obra, devota, interrogativa, surreal esperançosa. Armando Silva Carvalho talvez surpreenda os que o imaginam apenas antilírico, ácido, quase abjecionista; o «cão de Deus» percorre muitos dos seus poemas, histórias de encontros, tias, discípulos, ternura e compaixão, às vezes em tabernas e tasquinhas, como os sítios «impróprios» que Jesus também frequentava. Carlos Poças Falcão é provavelmente o nome menos conhecido desta antologia, mas a recente publicação dos seus poemas completos mostrou a força quase litúrgica desses versos que vivem no espírito e na confiança, que fazem de Deus uma sabedoria e uma exultação. Finalmente, o caso inesperado de Adília Lopes, que parece demasiado humorística e prosaica para abordar a «questão», mas que na verdade tem Deus em dezenas de poemas, um Deus que é um boomerang, um Deus na vida de bairro, um Deus da caridade, Deus como uma mulher a dias, um Deus que é um bicho, um cheiro e uma coisa vivida.

Deus como interrogação, assim se chama a antologia, porque Deus existe, na poesia como na vida, em modo interrogativo, mesmo para quem tem fé. Esta não é uma antologia para crentes ou para não-crentes, é uma antologia de poesia que dá exemplos de um tema, de um motivo, de uma obsessão, exemplos portugueses, numa época que também nos deu Claudel, Eliot, Luzi ou Milosz, poetas com uma questão, com uma pergunta que nunca está respondida.



[Senhor, nas minhas veias]
Vitorino Nemésio

Senhor, nas minhas veias
Trago a morte medida.
Sou lâmpada de pobre:
Nem toda a noite a vida.

Já meu sangue estremece;
Veio uma asa ao lago.
Minha mão arrefece
Nestas coisas que afago.

Que maneira de amor
Fui, no menino ido!
Agora, seja o que for
Já no homem cumprido.

Até ao último fio
Poupei o dote divino.
O homem de Deus perdi-o;
Só salvei o menino.

Esse me leva e enche
Como uma onda do mar;
Minhas fraquezas preenche,
Que a grande força é brincar.

Já vai escurecendo;
O sangue pára de arder.
Agora, o que digo acendo
Para não me perder.



Anunciação
Ruy Cinatti

Não tenho palavras, nem entendo
formas visíveis.
Elas vêm concretas como aragem
a que dou nome.

Tenho-me, eis tudo. Acontece.
Há uma folha que desce,
que sobrenada, que desce,
que submerge no ar e depois desce
longe de mim no ar fundo.

Nós não somos deste mundo.

Fresca e limpa como a chuva,
ouço a tua voz cantada
descer do céu ao silêncio
que vem da terra molhada.

Nós não somos deste mundo.

Ouso dizer-te o meu nome
como quem se atreve a dar-te
a minh aimagem.

Nós não somos deste mundo.

O que não vejo, entendo.
Pelos rios do meu sangue,
atrevo-me.

Anoitecendo, a vida recomeça.

Dou-me em palavras
que ressuscitam,
Algures no céu amanhece.

Só, intranquilo, pela vereda, desce
o nómada meu amigo.



Súplica final
Jorge de Sena

Senhor: não peço mais que silêncio,
o silêncio das noites de planície como enevoadas águas,
o silêncio dos montes quando a tarde acabou e as pedras
se afiam na friagem que é azul-celeste,
o silêncio do sol encarquilhando as folhas,
e o do vento na areia depois de ter passado,
o silêncio das ondas ao longe espumejando tranquilas,
o silêncio das mãos e o dos olhos,
e o das aves negras que pairam nas alturas
de um céu silencioso e límpido. Não peço
mais que silêncio. O silêncio das ideias que deslizam
no teto escorregadio da memória silente.
E o silêncio dos sonhos coloridos, e o dos outros
a preto e branco imagens desejadas
que não pensei que desejava e esqueço
ao querer lembrá-las. E o silêncio
dos sexos que se possuem sem uma palavra.
E o do amor também, tão silencioso esse,
que não sei quem amo.

Não peço mais. Afasta
de mim o estrondo: não o das cidades,
ou dos homens, das águas, do que estala
na memória ou penumbra das salas desertas.
Afasta de mim o estrondo com que a vida
se acabará contigo, num rasgar de súbito
em que ficarei inerte e silencioso. O estrondo
em que não ouvirei mais nada. O estrondo
em que não mexerei um dedo. O estrondo
em que serei desfeito. O estrondo
em que de olhos abertos
alguém mos fechará.

Senhor: não peço mais do que o silêncio do mundo,
o silêncio dos astros, o silêncio das coisas
que outros homens fizeram, e o das coisas
que eu próprio fiz. E o teu silêncio
de senhor que foi. Não peço mais.
Não é nada o que peço. Dá-me
o silêncio. Dá-me o que não fui:
silêncio (porque calei tanto):
o que não sou (pois que calo tanto):
o que hei de ser (já que falar não adianta):
silêncio.
Senhor: não peço mais.



[Um dia encontrei Deus num poema]
Armando Silva Carvalho

Um dia encontrei Deus num poema
histórico.
Debaixo daqueles versos tão explicativos
em que a gente podia ver suar os reis
e urinar rainhas e até os ferros das montadas
se soltavam das sílabas histéricas
Deus quisera estar escondido como uma
criança.
Não tinha filosofia aquele poema.
Eu sabia-o de cor por isso encontrei Deus
e à noite num balcão duma taberna
recitei-o aos bêbados sonâmbulos de chuva.



[há infinidades a que não se dá um nome]
Carlos Poças Falcão

há infinidades a que não se dá u m nome
mas a tua infinidade é o teu nome
a multiplicação de todos os teus passos
contém-se numa única passada
os instantes todos e os gestos expandidos
são o teu enxame o teu mil e o teu milhão
- mas pudesses escutá-los como um só estalido
na hora do calor

há cúmulos no céu e granulações na terra
e com batimentos próprios fizeste a tua espuma
a isso chamas força - mas tudo se te esconde
e mesmo a inteligência imersa não se vê

«talvez exista algures uma arcaria oculta
talvez se explique que os extremos estremeçam»
e vais dizendo isto enquanto a tua ação
é o que faz vibrar a teia
as armadilhas prendem os que se debatem
os pensamentos soltos impedem de acertar
as imaginações desviam para sempre
as mais altas experiências

melhor dizer apenas: este é o meu corpo
permite que celebre a exata temperatura
o santo coração numa só corola deve
em verdade ser erguido para não morrer



[E desço à verdura das tuas mãos]
Daniel Faria

E desço à verdura das tuas mãos
Como as manadas que buscam as minhas

Faltam-me apenas os pés feridos dos que peregrinam
Faltam-me no chão duro das promessas
Os joelhos

Queria tanto andar em redor, rodear-te, se soubesses como
Queria amar-te tanto

O que sei da unidade é a túnica
Tirada à sorte. O que sei da morte e da vida
É o livro escrito por dentro e por fora
Silêncio escrito por dentro
Palavra escrita a toda a volta da história

O que sei do céu
É a mão com que sossegas os ventos

Desço à escritura como os veados aos salmos
… (meer)
 
Gemarkeerd
filinto_m | Jul 5, 2021 |
Reunião de crónicas publicadas no Público, As Vidas dos Outros é justamente isso que o título indica: apontamentos quase voyeurísticos acerca de algumas personalidades marcantes da cultura ocidental. Desde pintores (Rothko, Bacon, Cranach...) a escritores (Ionesco, Camus, Salgari...), passando por compositores ou reis - uma das melhores crónicas é sobre o nosso mui dado a depressões D. Duarte -, Mexia consegue entreter o leitor recorrendo à petite histoire, revelando factos que ilustram e explicam melhor um pouco dessas "vidas dos outros". Escrito de maneira clara e, a espaços, bem disposta, mas sem perder um pingo de profundidade, é um livro que se recomenda. Vai já na segunda tiragem o que, para um livro de crónicas editado em Portugal, não é assim tão comum.… (meer)
 
Gemarkeerd
HJMendes | Feb 4, 2011 |

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